sábado, 10 de abril de 2010

midinight cowboy

midnight cowboy movieJoe Buck (Jon Voight), menino nascido no Texas, terra de homens machos, hiper-masculinos, desde cedo foi ensinado a ver, no caubói, um modelo de masculinidade a ser seguido. Criado pela avó, ainda criança, já a levava a suspirar de prazer ao fazer massagem em seus ombros. Dela recebia beijos e afagos, chegando a partilhar a cama com ela e com o caubói de rodeio que ela namorava. Mimado pelas amigas da avó, desde cedo foi convencido de que era um homenzinho do qual as mulheres gostavam muito. Homenzinho bonito que chegava a desfilar em concurso de galã de rodeio. Menino que se torna um rapaz, amado por Annie, que lhe dizia, que ele era o melhor, o único, superior a todos que a desejavam. Cresceu convencido de que era um garanhão, valente, corajoso, destemido, másculo, potente, como todos os homens que haviam povoado o velho oeste. Homens que tantas vezes vira no cinema, interpretados por seu ídolo John Wayne. Joe não se interessava por atividades intelectuais, como é comum no estereótipo do macho, e dizia que a única coisa que sabia fazer bem era satisfazer uma mulher: ele só tinha um belo corpo, mas era desprovido de cérebro - o filme é de 1969 e continua mais atual do que nunca. Após servir o Exército, e perder a avó, que encontra morta ao voltar, para poder sobreviver dedica-se a lavar pratos em um drive-in, nas margens de uma rodovia. Após anos de preparação para encarnar o macho texano, Joe Buck termina numa cozinha, de avental, exercendo uma atividade tipicamente feminina.

midnight cowboyTentando livrar-se dessa vida humilhante, Joe resolve utilizar seus dotes de garanhão para ganhar a vida como garoto de aluguel, servindo às mulheres ricas de Nova York que, de acordo com o que pensavam no Texas, estariam carentes de homens de verdade. E com sua bota de caubói, cinto de fivela larga, chapéu, casaco de couro desfiado e uma mala de couro de vaca, Joe Buck parte para Nova York acreditando no seu sucesso como amante másculo. Mas, ao andar pelas ruas da grande cidade, ao seguir as mulheres, suas eventuais presas, percebe que seu espalhafatoso personagem não só não as atrai, como é ridículo e provoca risos. Seus fracassos como garoto de aluguel se sucedem: se relaciona com uma prostituta, que lhe toma algum dinheiro; num bar não consegue distinguir um travesti de uma mulher e só não é enganado porque cruza seu caminho o outro personagem principal da trama: Ratso, interpretado por Dustin Hoffman, um morador de um prédio em ruínas no bairro do Bronx, tuberculoso e coxo, que vive de pequenos furtos e golpes. A penúria financeira obriga Joe a procurar a zona de prostituição masculina para homossexuais. O macho do Oeste tem que se submeter à suprema humilhação de se vender para um garoto feminino e intelectualizado, tudo o que ele sempre abominou. Em discussão com Ratso, descobre perplexo que o tipo caubói agora era coisa de homossexual, e pergunta: será que John Wayne também o era? A Nova York, do final dos anos sessenta, era palco de mudanças profundas nos papéis de gênero e a masculinidade simbolizada pelo caubói texano, está aí completamente fora de lugar, marginalizada, questionada pelo comportamento das mulheres e dos homossexuais, pela militância de gênero.

midnight cowboyRatso, assim como Joe, também simboliza a falência do masculino: ele não trabalha, não é o provedor, não tem sequer casa ou família, suspeita-se que jamais tivesse possuído uma mulher. Tem um corpo precário, doentio, nada atlético, embora tenha se tornado o cérebro que faltava a Joe, por ter a esperteza adquirida nas ruas da cidade, pela necessidade de lutar diariamente para sobreviver na cidade grande. Um menino que não quis seguir a trajetória do pai: um engraxate, que passava quatorze horas por dia no metrô, e que quando morreu nem o serviço funerário conseguiu limpar suas unhas. Joe Buck passa a dividir o espaço com Rizzo, com quem termina construindo uma sólida amizade. Juntos, roubam e estudam estratégias para a promíscua carreira de Buck. E Rizzo sonha em recuperar sua saúde e poder um dia mudar-se para a Flórida, no final os dois embarcam num ônibus a fim de realizar o sonho do amigo. Ao atravessar a fronteira do Estado da Flórida, Joe percebe que Rizzo morreu. Com lágrimas nos olhos, Joe ampara o amigo, ao mesmo tempo em que percebe que está sozinho novamente.

midnight cowboyEm ‘Midinight Cowboy’ (Perdidos na Noite, no Brasil) com roteiro baseado em obra de James Leo Herlihy, o cineasta britânico e abertamente gay John Schlesinger, que foi parceiro por mais de 30 anos do fotógrafo Michael Childers, fez um retrato da sociedade americana, bem distinta daquela que conheceu através do cinema hollywoodiano. Para o cineasta a história americana foi outra. Como estrangeiro, ele observou com olho crítico a atitude nacionalista, guerreira e viril dos Estados Unidos. Os soldados começam a morrer na guerra do Vietnã, e uma intensa mobilização pacifista acontece num país cuja cultura ensinava a exaltar a guerra e, para a perplexidade ainda maior de todos os setores mais conservadores desta sociedade, os homossexuais saem das sombras dos guetos, dos becos e das calçadas para aparecerem na cena pública, reivindicando direitos. É também, a constatação da falência de um modelo de masculinidade, que tornava os homens cada vez mais distantes das mulheres e incapazes de entender as transformações que estavam ocorrendo à sua volta. E Hollywood premia com o Oscar de melhor filme do ano de 1969, ‘Midinight Cowboy' o primeiro filme classificado na categoria X, impróprio para menores de idade por conter cenas consideradas pornográficas, a ganhar este prêmio. Uma versão da história americana contada a partir da amizade entre dois homens, em tudo diferentes, a não ser na solidão e na marginalidade.

Um filme espetacular para uma ótima trilha sonora de John Barry compositor britânico, responsável por diversas trilhas sonoras do cinema, mas mais conhecido por compor onze trilhas para os filmes de James Bond. Além da já conhecidíssima ‘Everybody's Talkin’ com Harry Nilsson, o destaque é para a pouco divulgada ‘A Famous Myth’ em uma interpretação parecidíssima com os ‘The Mamas & The Papas’.

the groop and garry sherman - a famous myth


soundtrack midnight cowboy (1969)

Midnight Cowboy (1969)

Tracklist
01. Everybody's Talkin' (Harry Nilsson)
02. Joe Buck Rides Again (John Barry)
03. A Famous Myth (The Groop and Garry Sherman)
04. Fun City (John Barry)
05. He Quit Me (Leslie Miller and Garry Sherman)
06. Jungle Gym at the Zoo (Elephant's Memory)
07. Midnight Cowboy (John Barry)
08. Old Man Willow (Elephant's Memory)
09. Florida Fantasy (John Barry)
10. Tears and Joys (The Groop and Garry Sherman)
11. Science Fiction (John Barry)
12. Everybody's Talkin' (Edit) Harry Nilsson